Sou uma pessoa de poucas palavras e muitas entrelinhas..

sábado, 8 de janeiro de 2011

Sinistro Amor


Uma brisa leve soprava fazendo revoar as folhas de outono,o fim de tarde avermelhado banhado por um resto de Sol indolente dava à cena um colorido espetacular que não condizia com o momento. Ao redor do túmulo duas dezenas de pessoas pesarosas ouviam as últimas palavras do padre antes que o caixão do jovem descesse à sepultura. Alguns mal conseguiam olhar para aquela mãe,outros,
morbidamente,não lhe tiravam os olhos.
E lá estava ela,não conseguia chorar porque ainda não acreditava.
Olhava para a caixa de madeira à sua frente e não lhe cabia que ele estivesse ali. Aliás, o que sobrara dele. Reconhecer seu filho, seu lindo filho,naquele arremedo de gente retorcido,enegrecido pelas chamas.
Não. Seu filho era aquele que chegava todas as tardes,mochila nas costas,azul nos olhos, tênis e chiclete.
O garotinho não olhava,segurava na mão da mãe e contava as folhas no chão. Talvez não concebesse o vazio. E tão pouco tempo depois! Ainda podia sentir o mesmo cheiro de flores e velas, ouvir as mesmas palavras,os mesmos olhares consternados. Pobres órfãos de pai! Lembrou-se do irmão segurando sua mão como fazia agora sua mãe,olhou de relance para o caixão,tão parecido. Ousou olhar para sua mãe.Por que não chorava? Se antes explodiu em lágrimas e lamúrias!
Todos ,pouco a pouco,se despedem da cena voltando às suas rotinas;deixando abraços,beijos,apertos de mãos,afagos na pequena cabeça.Sozinhos,enfim,o menino puxa sua mãe. Quer tirá-la dali,levá-la para casa.
A casa. Ficara intacta. A mulher desabou numa poltrona,exausta. De onde estava podia ver,através da grande janela,os escombros do que fora a garagem. Um galpão construído por seu marido,reduto dos homens da casa. Seus homens. Não desviou o olhar, era ali que seu filho guardava sua vida de adolescente,seus sonhos,segredos,seus erros. E o maldito carro.
O menino,intrigado,tentava entender aquele silêncio. Achou que sua mãe estava mais velha,parecia tão cansada.
O que poderia fazer? Queria de alguma maneira confortá-la,traze-la de volta. Foi até à cozinha e achou que um chá lhe faria bem,pelo menos era assim que ela também o confortava quando ele ficava doente. Subiu na cadeira para pegar o pote de ervas,encheu a chaleira de água para ferver. Acendeu o fogo.
Colocou a chaleira sobre a chama e esperou. Suas pupilas refletiam o clarão do fogo que observava. O mesmo fogo que observara há dois dias,da janela do seu quarto.
Foi tão rápido,o irmão nem conseguiu gritar. Depois da explosão as chamas altíssimas iluminaram o céu.Também lembrava do cheiro. Viu,da sua janela, a mãe correndo em direção à garagem, alguns vizinhos tentando segurar a mulher desesperada.
Foi tão fácil! Todo fim de tarde ele ficava lá,com sua música,fuçando no seu valioso carro.
Teve alguma dificuldade para abrir o gás,eram dois botijões armazenados nos fundos da garagem,sobre um tablado. Também teve o cuidado de deixar as duas janelas fechadas. Ficou no seu quarto,montando seu quebra-cabeça. Na hora certa abriu as cortinas e assistiu.
O irmão entrou pela pequena porta lateral,como sempre fazia. A mão foi mais rápida do que a percepção do cheiro. Bastou o toque fatídico no interruptor. Foi fácil.
Livrar-se do outro foi mais difícil. E menos divertido.
Despejou a água fervente na xícara. Cuidaria de sua querida mãe para sempre.
Ela ainda estava lá,sentindo o peso do mundo sobre os ombros. Ergueu os olhos para o seu único filho que lhe oferecia uma xícara de chá fumegante e acolhedor. E viu através do vapor que exalava do líquido um olhar tão cheio de amor que a fez,finalmente,chorar.




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Um comentário:

  1. e o outorno sempre leva coisa que não deveria e vem o sol do verão com suas angústias
    " Cuidaria de sua querida mãe para sempre.
    " e que nãofalte amor neste sempre

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