Sou uma pessoa de poucas palavras e muitas entrelinhas..

sexta-feira, 16 de setembro de 2016












Estrelas solitárias se aglutinaram em busca de conforto. Juntas se aqueceram, se ampararam. E sorriram.
E sua luz nos chegou, tempos depois, mansamente.
Mas você se refugiou em sua escuridão. Fugiu da claridade reconfortante.
E divisei seus olhos brilhantes, assustados. Olhos de gato.
Estendi minha mão em sua direção, a luz brilhando sobre mim.
Mas você não veio. Você nunca vem.
E seus olhos tão brilhantes se tornaram opacos, cegos.
E você chorou.

Eu nunca te alcanço.




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segunda-feira, 20 de junho de 2016

Hey babe..








Eles se estapeavam na TV. Eu ouvia Lou Reed.
Hey babe, take a walk on the wild side.
Explode, mundo.
Não dou a mínima.

Só me interessam aqueles dois pontinhos de luz refletidos no seu olho direito, lá naquela foto que eu fiz enquanto você surtava olhando para as estrelas...



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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Um dia quase normal na vida de Getúlio


Aqueles livros todos amontoados pela sala, naquele momento, o aborreciam bastante. Pensou naquelas bobagens que, ainda ontem, o enchiam de vida. Mas hoje.
 O tédio o tomou como um tsunami.
 Não procurou pela euforia do dia anterior. Sabia que não iria encontrá-la. E nem queria. Tinha quase nojo daquele eu de ontem. Apalermado, estúpido.
 Esticou-se todo pra pegar um daqueles livros, qualquer um, qualquer merda serve nessas horas. Jogou o livro sobre as pernas e o deixou lá, repousando.
 Olhou para suas pernas, se perdeu nelas. Esqueceu-se do livro. Céus, como são feias! Tão tortas e ossudas. Nunca havia se dado conta de como suas pernas eram feias. Pensou que, por toda a sua vida, aquelas toras grotescas o levaram pra cá e pra lá. Será que mais alguém reparou nelas? E os pelos? Pretos, espessos, tão enrolados. Daria pra abrir uma trilha entre eles.
 Levantou-se sem se importar com o livro que caiu sobre um pacote de salgadinhos. Foi ao banheiro e pegou a gilete que naquela manhã nem havia usado. 
Voltou para a sala e sentou-se no mesmo lugar. Começou no peito do pé e subiu em linha reta até a metade da canela. Uma faixa de pele extremamente branca surgiu em meio àquela floresta de pelos negros.
 Fez, então, um zigue-zague até o joelho. Linhas sinuosas, pontilhadas, círculos! Passou para a outra perna, se empolgou. Quase febril, subiu para as coxas, desenhando linhas em todas as direções. Linhas grossas, finas. Retas, curvas!
Olhou extasiado para suas pernas, telas! Cravou a gilete num joelho a fim de fazer um círculo e acabou se cortando. Porra!
 Resmungou enquanto um filete de sangue escorria pela sua perna, avermelhando sutilmente as trilhas que ele há pouco criara.
 Ficou fascinado com o efeito que essa terceira cor dava às suas pernas telas. E como descia sinuoso e indolente, o líquido quente. Serpente vermelha.
 Com a mão um pouco trêmula e já suando um pouco, fez um corte no outro joelho, um pouco mais profundo. E outro, mais abaixo, à esquerda. E outro. E os filetes de sangue escorriam por todas as trilhas, se juntavam e se bifurcavam feito línguas incandescentes.
 A gilete perdeu o corte. Deixou-a cair no chão, impotente.
 Admirou sua obra-prima por alguns minutos. Vestiu suas calças, enfiou um par de chinelos e saiu.
 Precisava comprar uma gilete.
 O tédio finalmente o deixara.



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domingo, 14 de abril de 2013

O Cadáver




O cadáver da barata ornava o primeiro degrau da escadaria. Brilhava, âmbar, sob a luz do Sol. Lindo e inerte, recolhido a um canto, fora do alcance da sola de qualquer sapato. Parou a admirá-lo, o cadáver. E assim ficou por tempo indefinido, a se perguntar por que não estava, aquele cadáver de barata, com as patas e a barriga para cima, como jazem todos os cadáveres de barata. Não. Ostentava, aquele, suas belas e brilhantes asas.
E delas, as asas, irradiavam-se furta-cores raios que lhe despertavam os sentidos e os mais diversos pensamentos. E teve, por alguns momentos, durante aquele tempo indefinido, a sensação de que ela, a barata, se movia. Tão languidamente, quanto os raios refratados numa autoestrada banhada por um sol de um meio-dia incandescente.
Piscou algumas vezes a fim de se livrar de tal miragem. E a barata voltou a ser cadáver.
Subiu, então, a escadaria interminável. E ao último degrau só lhe restou, desperto e entediado, ralhar com a empregada, o seu desleixo com a vassoura.      




segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Tão próximo, o Inferno...





Aquela luz, não a alcançava. Nunca. Ele caminhava e caminhava em sua direção e ela se afastava e se afastava. E suas pernas pesavam e pesavam. E aquele caminho cada vez mais íngreme, acidentado. E correntes invisíveis o prendiam e o puxavam para trás e para baixo. E o chão sob os seus pés ardia e queimava. E ele continuava e continuava. E deixava pelo caminho seus destroços, seus pedaços. E ele continuava e desesperava. E continuava e continuava. A luz cada vez mais ínfima, distante, inatingível, indiferente. E ele continuava e se arrastava. E suas costas lhe doíam e arqueavam e nos ombros lhe pesavam todas as pedras deste mundo e de outros mundos. E ele prosseguia e rastejava e desfigurava a própria face e dilacerava o próprio peito e rasgava a própria carne.

E insistia e insistia e insistia…




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domingo, 29 de maio de 2011

O Trem


Acomodou-se no camarote. De bagagem levava apenas uma maleta de mão. Estava realmente cansada. Física e emocionalmente. Ansiava pelo chacoalhar do trem, só queria fechar os olhos e descansar. Rezava para que ninguém mais ocupasse o aposento. Não queria dividir sua dor, não podia.
Lembrou-se da última viagem que fizera ao lado dele. E dela. Olhou para o banco vazio à sua frente. Podia vê-la ali sentada, sorridente. Ele , ao seu lado, embora segurasse a sua mão, dava a outra toda a sua atenção. Ciúme sempre sentiu mas tentava ser compreensiva, paciente. As pessoas mais chegadas diziam que seria bobagem tentar afastá-los e, afinal de contas, seria uma maldade fazer intrigas entre dois irmãos. O que não sabiam ou não entendiam era a influência nefasta que ela exercia sobre ele. Tolos que não enxergam!
Rebeca, sua fascinante cunhada que já havia recusado mais de uma dezena de pedidos de casamento, dos mais influentes e cobiçados cavalheiros da província. Sua beleza exótica e radiante já causara até duelos e mortes. E ela parecia se divertir muito com tudo isso.
Um homem parou à porta do camarote e a tirou de seus pensamentos. Cumprimentou-a , cordialmente, tirando o chapéu. Sentou-se à sua frente tentando não desabar com seu pesado corpanzil. Ela o observou e lamentou profundamente a sua presença. O homem ajustou os pequenos óculos redondos e sorriu, amável. Ela retribuiu com má vontade.
O trem, finalmente, se pôs em movimento depois de um longo apito que mais parecia um lamento. Sua mente voltou novamente ao passado. Um passado recente, apenas algumas semanas atrás. Olhava pela janela, via passar as montanhas com os picos nevados que tanto a encantaram, a sua vida toda. Vida. Que vida teria agora?
Chovia muito quando chegou em casa. A sombrinha não dera conta de tanta água e vento forte. O vestido encharcado e pesado lhe irritava, subiu as escadarias com dificuldade já soltando os cabelos molhados, louca para se livrar de toda aquela mortalha. No corredor já ouviu os gemidos, os gritos histéricos de Rebeca, suas gargalhadas. Não teve coragem de abrir a porta do próprio quarto.
Sentiu novamente a mesma repulsa, o mesmo ódio, a mesma fúria. Flagrou-se apertando o próprio chapéu entre as mãos, apertando o maxilar, rangendo os dentes. Tratou de se acalmar, não estava sozinha e aquele homem não lhe tirava os olhos.
Não lhe restava mais nada. Nem sua dignidade. Curiosamente, não havia chorado em nenhum momento. Nenhum momento. Abriu a janela e respirou o ar gelado que entrava. Tentou decifrar os cheiros que sentia. Então, lhe ocorreu. Quanto tempo levaria para que descobrissem os corpos?
Foi quando o simpático cavalheiro a chamou pelo nome e mostrou-lhe seu distintivo.



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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sem saída




“Olhava para aquela tela totalmente negra. Não vislumbrava seus limites, parecia infinita. De repente, surge um quadrado branco, um pouco para a esquerda. Tudo é linear, como num antigo desenho animado. Eu estou no quadrado. Olho para mim. Estou tateando suas arestas tentando sair. Mas, de repente, o quadrado está cheio de areia. Fico preso, totalmente imóvel. Somos, então, dois indivíduos. O “eu” que está preso no quadrado de areia e o “eu” que está do lado de fora, apenas olhando. E é o que está do lado de fora quem mais sente angústia. Não só pela aflitiva imobilidade do outro mas porque sabia que mesmo que o outro conseguisse se libertar, não teria para aonde ir.”



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